A Economia Circular (EC) é um novo conceito de prática econômica que abarca um campo de conhecimento multidisciplinar

A EC, da forma como tem sido implementada e estudada tem como base, de uma maneira geral, as mesmas técnicas e princípios, no entanto, assume prioridades diferentes em cada contexto em que é aplicada.

Essa adaptação a cada realidade aumenta a possibilidade de sucesso quando se leva em conta o perfil de cada nação/território, sanando suas dificuldades e aproveitando seus pontos fortes. Entretanto, tanto os ecossistemas naturais quanto os problemas econômicos, sociais e ambientais, inclusive o lixo, conectam-se por razões mais complexas em um mundo globalizado.

As diretrizes da União Européia com relação a aplicação dos princípios da EC, possuem como objetivo transformar o problema ambiental do lixo em oportunidade econômica e inovação, tornando-se mais competitiva e ao mesmo tempo solucionando esse grande problema. Dessa forma, a poluição em sentido amplo (ar, água, solo…) não é tão abordada, o problema que explicitamente se busca enfrentar tem relação com o volume de resíduos gerados pelo modelos linear de produção e consumo (MCDOWALL; et. al, 2017).

Por outro lado, a EC na China tem como foco a resolução dos problemas ambientais e sociais que foram causados pela rápida industrialização do país e seu contínuo crescimento econômico (MCDOWALL; et. al, 2017). Esta diferença de foco para EC nesses dois casos justifica-se pelo perfil econômico europeu e chinês, na Europa a economia é mais ligada ao consumo doméstico (logo, gerando mais resíduos de produtos) enquanto na China a atividade industrial tem uma relevância econômica maior (MCDOWALL; et. al, 2017).

Importante evidenciar que a China, desde a década de 1980, importa resíduos como solução para escassez de alguns materiais e, com o passar do tempo, se tornou um dos principais destinos para o lixo de países do Norte, como Canadá, Austrália, França, Alemanha, Bélgica e também dos Estados Unidos (Veja, 2020; El País, 2018). O processamento desses materiais no país, muitas vezes com técnicas rudimentares e muito trabalho precarizado, resultou em graves problemas ambientais e sociais. Por essa razão, o maior desafio que a EC busca solucionar na China é a poluição em sentido amplo e a consolidação de um desenvolvimento sustentável no longo prazo, o que nos documentos aparece como “civilização ecológica” (MCDOWALL; et. al, 2017).

Uma das medidas adotadas pelo gigante asiático em nome de conter os danos ambientais foi com relação a importação de resíduos, desde 2018 é proibida a entrada de 24 tipos de materiais. A restrição causou grande impacto no mundo, aumentando o tráfico de lixo (fenômeno que já era comum entre os países mais pobres) e deslocando o destino desses resíduos para países como a Indonésia, Filipinas e Malásia. (Veja, 2020; El País, 2018).

O problema não se restringe aos eletrônicos e nem apenas aos países asiáticos, há o registro de casos inclusive no Brasil. Em 2013, a Receita Federal barrou 350 toneladas de vidro de tubos CRT dos Estados Unidos no porto de Navegantes, em Santa Catarina. A empresa responsável tentou esconder que se tratava de vidro contaminado com chumbo. Materiais como esse, oficialmente, são proibidos de circularem pelo mundo desde 1989, ano em que foi assinada a Convenção da Basileia (G1, 2015). Segundo o documento The global impact of e-waste Addressing the challenge elaborado pela OIT em 2012, boa parte do lixo eletrônico exportado para as nações em desenvolvimento até então era enviado ilegalmente. O fato dessa exportação ocorrer legalmente e ilegalmente dificulta o dimensionamento e a responsabilização pelos inúmeros danos.

Diante disso, percebe-se que o desafio é mundial, mas em cada nação apresenta-se com suas peculiaridades. As contradições entre o discurso e os fatos alertam para a falta de respostas prontas: os próprios países considerados porta vozes do desenvolvimento sustentável são também os que mais geram resíduos, especialmente os eletrônicos. Porém, se grande parte desse material é exportado para ser tratado em países mais pobres e/ou com legislações mais permissivas, há uma terceirização do problema para locais que inclusive possuem menos conhecimento técnico e condições e tecnológicas para realizar o tratamento adequado.

Essa reação em cadeia evidencia que o desenvolvimento sustentável nos países desenvolvidos, para ser de fato comprometido com a preservação ambiental, ainda necessita de responsabilização integral pelo ciclo de vida de seus produtos dentro de seus próprios territórios. Evidencia também que as estratégias para melhorar as condições dos países em desenvolvimento, por limites ambientais e sociais, não pode se basear na trajetória de desenvolvimento dos países que compõe o Norte hegemônico, sob o risco de resultar nas mesmas consequências. Em função dos mesmos limites ambientais e sociais, não é possível priorizar o crescimento econômico por meio da degradação social e ambiental.

Seja em países ou em cidades, o excesso de resíduos e sua má gestão destroem o meio ambiente são fonte de trabalho degradante. Nas cidades do Brasil, 40,5% dos resíduos produzidos em 2018 foram destinados a lixões ou aterros de baixa segurança, localizados em regiões periféricas das cidades (ABRELPE, 2019). Estudo do Ipea realizado com base no Censo de 2010, constatou que havia 398.348 mil pessoas autodeclaradas como coletores/classificadores de lixo/resíduos ou varredores e afins distribuídos em 89% dos municípios do país. A maioria dos catadores é formada por homens jovens, negros ou pardos com baixa escolaridade e obtêm com a atividade uma renda média de R$ 561,93/mês (DAGNINO; JOHASEN, 2017).

Do total de autodeclarados, 50,62% exercem a atividade informalmente e 54% afirmaram que chefiavam seus domicílios, o que totaliza 745.639 pessoas vivendo direta ou indiretamente da coleta de materiais. Por um lado, fica claro que a coleta de material reciclável representa renda para muitas pessoas e pode representar muito mais. Entretanto, da maneira precária como a gestão de resíduos ainda ocorre demonstra que o que ocorre de fato é trabalho informal e degradante, a risco à saúde pública e danos ambientais tanto nas cidades brasileiras quanto em outros lugares do mundo. A conscientização coletiva a respeito do tamanho deste problema é fundamental para que em nossos hábitos e escolhas possamos contribuir para mudanças estruturais em nossas sociedades. Afinal, mesmo que tenha chegado a consequências graves e profundas que vão muito além das atitudes de uma só pessoa, os problemas ambientais e sociais que enfrentamos são resultado de nosso paradigma de sociedade e a forma como o reproduzimos em nossas individualidades. Vem com a gente fazer diferente!

Referências:

Referências:ALDAMA, Zigor. Quem deve se responsabilizar pelo lixo reciclável exportado pelos países ricos. El País, Espanha, 11 jan. 2018. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/04/internacional/1515083240_343230.html. Acesso em: 04 de julho de 2020.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS (Abrelpe). Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil. São Paulo: Abrelpe, 2019. Disponível em: https://abrelpe.org.br/panorama/.
DAGNINO, R.; JOHANSEN, I. Os Catadores no Brasil: características demográficas e socioeconômicas dos coletores de material reciclável, classificadores de resíduos e varredores a partir do censo demográfico de 2010. Ipea Mercado de Trabalho, n 62, p. 115-125, 2017. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7819/1/bmt_62_catadores.pdf. Acesso em: 01 de julho de 2020.
Indonésia devolve mais de 500 contêineres de lixo a seus países de origem. Veja. São Paulo, 19 set. 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/indonesia-devolve-mais-de-500-conteineres-de-lixo-a-seus-paises-de-origem/. Acesso em: 04 de julho de 2020.
MCDOWALL, William; GENG, Yong; HUANG, Beijia; BARTEKOVÁ, Eva; BLEISCHWITZ; TÜRKELI. Serdar; KEMP, René; DOMÉNECH, Teresa. Circular Economy Policies in China and Europe. Journal of Industrial Ecology, p. 01-10, 2017.
Países exportam lixo eletrônico para outros em vez de reciclar. G1 , São Paulo, 13 nov. 2015. Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/11/paises-exportam-lixo-eletronico-para-outros-em-vez-de-reciclar.html. Acesso em 04 de julho de 2020.

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